terça-feira, 10 de dezembro de 2013

PORQUE "PÉ NA COVA" É TÃO BOM...

Consagrado como um dos dramaturgos mais populares do Brasil, Miguel Falabella nunca teve a mesma sorte em suas incursões nas telenovelas. Ainda que sua estreia como autor do gênero - "Salsa e merengue", de 1996, co-escrita com Maria Carmem Barbosa - tenha tido alguns fiéis fãs, suas tramas seguintes variaram entre o apenas simpático - "A lua me disse" (1995) e "Aquele beijo" (2011) - e o simplesmente equivocado do início ao fim - "Negócio da China" (2008). Como criador e roteirista de séries, porém, ele teve mais sorte, haja visto o enorme sucesso de "Sai de baixo" e "Toma lá, dá cá". Mas nenhum de seus projetos anteriores alcançou o equilíbrio perfeito que sua atual obra atinge. "Pé na cova" é, provavelmente, o melhor programa da TV aberta da atualidade, com sua mescla de crítica social, humor inteligente e pitadas de um sentimentalismo quase ingênuo que explicita o carinho absurdo do autor com seus personagens - e com a humanidade em geral.

No texto final de sua bem-sucedida peça de teatro "Loiro, alto, solteiro procura...", Falabella deixava bem clara a sua admiração pela raça humana, pelas pessoas, com suas idiossincrasias, defeitos, mesquinharias e grandezas. Isso fica óbvio quando se assiste a qualquer episódio de "Pé na cova": o texto do autor - que tem entre seus colaboradores o jornalista Artur Xexéo e o dramaturgo Flávio Marinho - não se exime de demonstrar a generosidade do criador para com suas criaturas, sejam elas pessoas tentando ser normais, como o "vereador eleito pelo povo" Alessanderson Pereira (Daniel Torres) - ou gente que parece ter saído de um filme de Pedro Almodovar como o travesti Marcão/Markassa (Maurício Xavier) e sua irmã lésbica, Tamanco (a cantora Mart'nália). Mesmo que frequentemente haja o exagero imprescindível à comédia, os roteiros nunca deixam de ser redondos e antenados à realidade do país: em um episódio recente, uma greve de coveiros obrigou a "importação" de funcionários cubanos e em outro um grupo de detratores das políticas populistas de Alessanderson se vestiram de black blocks para vandalizar uma obra pública.


Para quem não sabe do que se trata, "Pé na cova" conta a história de uma família proprietária de uma funerária, chamada FUI (Funerárias Unidas do Irajá) que luta diariamente pela sobrevivência, enquanto lida também com os problemas inerentes à qualquer núcleo familiar. O patriarca Ruço (o próprio Falabella, despido da arrogância de seus personagem mais famoso, Caco Antibes) é separado da primeira mulher, Darlene (Marilia Pêra, genial na construção de mais uma personagem icônica em sua carreira), que, a despeito de seu vício em gim, é diplomada em maquiar os cadáveres que chegam à funerária. Casado pela segunda vez com uma mulher bem mais jovem, Abigail (Lorena Comparato) - com quem tem um filho bebê - ele é pai também de Alessanderson, um político demagogo e de Odete Roitman (Luma Costa), que ganha dinheiro exibindo o corpo na Internet e é casada com o mecânico Tamanco, com quem tem um filho adotivo. Em sua casa vivem também a emprega Adenoide (Sabrina Korgut) - que dorme em um dos caixões da empresa - e Babá (Niana Machado), que cuidava dele quando criança e hoje sofre de demência generalizada. A seu redor, no bairro de Irajá, circulam outras criaturas bizarras, que, apesar de suas particularidades, se encaixam com perfeição no universo da narrativa.

A maior qualidade de "Pé na cova" - além da química espetacular entre Falabella e Marília Pêra - é a forma como o roteiro trata as relações interfamiliares. Mesmo que ninguém na família Pereira seja exatamente um exemplo de ética ou de inteligência, existe, entre eles, um amor incondicional emocionante. Não há, entre as personagens, julgamentos morais agressivos ou ressentimentos doentios. A aparente disfuncionalidade do clã é imediatamente coibida quando se percebe que, mesmo diante de sérios problemas - sempre tratados com leveza pelos diálogos bem sacados dos autores - eles tem uns aos outros. Quando a família está reunida a série cresce, arrancando sorrisos e talvez até lágrimas, com sua maneira particular e corajosa de resolver seus problemas. Diante de tanto baixo-astral vindo da novela das nove, é um oásis de ar fresco.

Dirigida com brilhantismo por Cininha de Paula e escrita com rara inspiração, "Pé na cova" já tem, felizmente, uma terceira temporada garantida. Ao contrário do texto insosso de "Tapas e beijos" e do humor requentado de "A grande família", é programa obrigatório aos fãs de uma comédia sutil e inteligente.

Um comentário:

  1. Se tu me dissesses tudo isso antes.. não concordaria. Mas quando pegou ritmo, a série ficou implacável. Bom seria mostrar seu post ao criador. Aqui tem uma grande homenagem!

    Quanto aos personagens, é tão louco perceber como até aquele que possui apenas 1 fala e aparece às vezes tem importância no cenário todo.

    E não sabia que a diretora era a Cininha.

    Zukm.t, tt;
    ppb
    bjooooo
    bruninho mandou bjos também

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