sábado, 18 de janeiro de 2014

"AMORES ROUBADOS", UM GRANDE ACERTO

Os pseudo-intelectuais que tem por hábito reclamar da baixa qualidade da televisão aberta brasileira, acusando-a de tudo de ruim que acontece nesse mundo e em qualquer outro que houver tiveram trabalho nas duas últimas semanas, graças a uma das minisséries mais ousadas (em vários sentidos) já exibidas pela Rede Globo. "Amores roubados", versão modernizada e substancialmente modificada do clássico "A emparedada da Rua Nova", publicado há cem anos pelo escritor pernambucano Carneiro Vilela, começou chamando a atenção graças ao marketing gratuito do romance entre Cauã Reymond e Ísis Valverde, mas conquistou pela qualidade insofismável do produto final, um casamento perfeito entre texto, direção, fotografia, trilha sonora e elenco. Em dez capítulos ficou provado que, ao contrário do que insistem em afirmar os críticos com implicância generalizada pelo veículo, arte e televisão podem integrar-se sem prejuízo de nenhum tipo.

Em tempos de novelas que insultam a capacidade cognitiva da audiência - como a atrocidade perpetrada por Walcyr Carrasco no horário nobre - foi um bálsamo estar diante de um texto forte e coerente como o de George Moura, que já havia assinado a autoria de outra minissérie, "O canto da sereia", baseado no livro de Nelson Motta. Ao contrário do que aconteceu ano passado, porém, quando o público teve acesso ao final da história através do romance, o autor - que contou com a supervisão competente de Maria Adelaide Amaral - teve a coragem de alterar drasticamente o final da obra literária. Os puristas - e alguns histéricos que nunca leram o livro e nem sabiam de sua existência até agora - chiaram. Mas nem mesmo eles podem negar que o desfecho de alguns personagens teve uma força e uma ousadia poucas vezes vista na televisão brasileira, valorizados pela direção firme e inspirada.

José Luiz Villamarin - outro egresso de "O canto da sereia", que também tem no currículo a co-direção de "Avenida Brasil" - apresentou, em "Amores roubados", um Nordeste a anos-luz de distância daquele que as novelas insistem em mostrar. Sem deixar de lado um cenário agreste, fotografado com maestria pelo veterano Walter Carvalho, Vilamarin mergulhou em uma sofisticação que sempre caminhou distante da região quando retratada na telinha. Pela primeira vez a plateia foi brindada com nordestinos ricos e elegantes, sem a obrigação de fazer humor em uma trama onde ele estaria absolutamente deslocado. E não deixou de ser muito bem-vinda a coragem em escalar atores consagrados em papéis distintos do normal: assim, Dira Paes brilhou com um dondoca sensual, Cassia Kis Magro chamou a atenção como uma prostituta veterana, Patrícia Pillar foi uma mãe com problemas nervosos e Murilo Benício, em uma de suas maiores atuações até hoje, roubou a cena como um vingativo marido traído. Fechando com chave de ouro, a direção escalou também os ótimos Irandhir Santos e Jesuíta Barbosa - do filme "Tatuagem" - em papéis cruciais que eles tiraram de letra. Com um elenco dessa envergadura - que deu também a Osmar Prado um papel que explorou todo o seu talento - a notícia do relacionamento entre Cauã Reymond e Ísis Valverde acabou sendo devidamente eclipsada.

Contando ainda com uma trilha sonora apropriada, bom gosto extremo em todas as suas sequências - fossem elas de sexo ou de violência física e psicológica - e uma construção dramática que deixava o espectador curioso para acompanhar o capítulo seguinte, "Amores roubados" deu uma aula de narrativa, direção e interpretação que deveria ser obrigatória para autores de TV - especialmente para veteranos arrogantes que não aceitam críticas a seus trabalhos medíocres e recheados de diálogos constrangedores. Foi uma enorme bola dentro da Globo nesse princípio de ano.

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