terça-feira, 8 de abril de 2014

O QUE ESTÁ ACONTECENDO COM "EM FAMÍLIA"?

Depois de meses a fio sendo obrigado a aturar os absurdos de "Amor à vida", o fiel público noveleiro tinha motivos de sobra para comemorar a estreia de "Em família", no dia 03 de fevereiro. Primeiro, o currículo do autor Manoel Carlos deixava antever uma qualidade rara no texto e personagens bem construídos. Depois, saíam de cenas os vilões cartunescos e inverossímeis de Walcyr Carrasco para dar lugar a gente muito mais perto da realidade - ainda que não seja muita gente que frequente os ambientes sofisticados do Leblon retratados na novela, é muito mais fácil acreditar em uma mulher obcecada pela maternidade do que em uma secretária vingativa que resolve cegar o marido mais velho, afinal de contas. Por que, então, mais de dois meses depois de sua estreia, a história da 9ª Helena criada pelo autor carioca ainda não empolgou sua audiência?

Bom, qualquer pessoa - QUALQUER pessoa, até aquela dotada da maior boa-vontade do mundo - há de convir que é um desafio à lógica entender a escalação de elenco na família da protagonista. Natália do Valle ser mãe de Julia Lemmertz já é forçar a barra em limites estratosféricos, mas a coisa se estende ad infinitum: Ana Beatriz Nogueira é mãe de Gabriel Braga Nunes, Vanessa Gerbelli é a tia mais velha de Júlia, Giovanna Antonelli é irmã mais nova do Thiago Mendonça... enfim, tem pra todos os gostos. Aparentemente, o único integrante do elenco que tem a idade real do personagem é Paulo José - felizmente lembrado pela Globo como o grande ator que é. E Antonelli, é bom que se diga, faz pela milésima vez a mesma personagem que vem fazendo desde a Capitu, de "Laços de família". Ah, não é? Ok, ela não é garota de programa, nem vilã loira, nem delegada, nem vive no Marrocos, mas o tom de voz e a interpretação "naturalista" - também conhecida como "seja você mesma que tá tudo bem" - mostram que, apesar dos fãs, ela não é uma atriz das mais capazes, além de ser dona de uma personagem pra lá de chata - e Maneco vai penar em fazer o público torcer por um casal lésbico onde uma das partes abandona o marido doente.

E se o texto de "Em família" é um bálsamo para os ouvidos daqueles que passaram quase um ano escutando os diálogos de teatro escolar de "Amor à vida", a lentidão com que a trama se desenvolve já está fazendo muita gente abandonar o barco. Depois de se ver obrigada a apressar a edição dos capítulos iniciais - que mostrava como começou a obsessão entre Laerte e Helena (porque é complicado acreditar que é amor algo tão doentio) - porque a audiência estava pedindo mais ação, era de se imaginar que a Globo solicitaria ao veterano autor um pouco mais de pressa. Não é o que está acontecendo. Se o público ficar uma semana inteira sem assistir à novela, vai voltar a prestigiá-la praticamente no mesmo ponto onde parou. O triângulo amoroso Helena-Laerte-Luiza (Bruna Marquezine dando conta do recado sem muito esforço) ainda não saiu do lugar, ilustrado pelo irritante som da flauta do protagonista e atrapalhado por uma das poucas personagens de atitude na novela, a Shirley de Vivianne Pasmanter - que, apesar disso, faz pela terceira vez uma antagonista criada por Manoel Carlos.


Somada a esse ritmo de cágado - que nem mesmo a poesia dos diálogos consegue disfarçar, principalmente com a direção quase contemplativa de Jayme Monjardim - existe a trilha sonora. Não deixa de ser ótimo ouvir bossa nova desde a abertura até o encerramento, mas a impressão que se tem é que desde "Laços de família" as músicas que acompanham as Helenas do autor são sempre as mesmas. Ana Carolina cantando "Eu sei que vou te amar" nem dá para comparar com Daniel uivando "Maravida", mas mesmo assim é complicado se empolgar com Sandy e Manu Gavassi - cantorazinha de quinta categoria e atriz ainda pior escalada como a namorada do filho de Laerte, vivido por Ronny Kriwat.

Mas nem tudo é ruim na novela das nove. Só o fato de não ter um núcleo cômico sem graça e prescindir de gente gritando bordões de "Zorra total" já é um alívio para a inteligência do espectador, mas outras qualidades presentes podem reverter o quadro de audiência insatisfatória. Vanessa Gerbelli e Angela Vieira tem em mãos personagens ricas que tem tudo para monopolizar a atenção. O núcleo do asilo para idosos pode fazer graça sem apelar para o humor rasteiro, além de contar com a ótima Betty Goffman como a vilã Miss Lauren. Tramas interessantes - como a de André (Bruno Gissoni) que renega a mãe adotiva negra - podem assumir maior importância com o desenrolar da história e até mesmo a história central, quando realmente começar, pode atear fogo ao horário nobre - apesar das rusgas de bastidores que vem atrapalhando ainda mais seu caminho para o sucesso. Eu ainda acredito em "Em família".