domingo, 25 de janeiro de 2015

"IMPÉRIO": DE PROMESSA À DECEPÇÃO

Em julho o público noveleiro entusiasmou-se: depois de um longo inverno em que teve que aturar as viagens megalomaníacas de "Salve Jorge", o texto paupérrimo e as cenas de um programa ruim de humor de "Amor à vida" e a pasmaceira fora da realidade de "Em família", parecia que enfim uma novela de verdade estava prestes a começar. Os primeiros capítulos de "Império" prometiam: um ritmo ágil, bom texto, atores a serviço de bons personagens e uma passagem de tempo que não tratou o espectador como burro encheram o peito da audiência de esperança. Então, apesar de algumas tramas paralelas que pareciam interessantes, a história começou a patinar. Patinou, patinou e chegou a seu sexto mês de exibição cansada. Agora que seu autor Aguinaldo Silva resolveu realmente dedicar seu tempo a contar a história do Comendador José Alfredo - a espinha dorsal da novela, afinal de contas - talvez seja tarde demais para recuperar a paciência do público. Repleto de personagens maniqueístas, preconceito e histórias requentadas das novelas anteriores do mesmo autor, "Império" também não mostrou a que veio. É mais uma novela que é muito melhor na mente egocêntrica de seu criador do que na telinha da TV.

A novela, como afirmado anteriormente, começou bem. Aguinaldo Silva, apesar de tudo, é um autor experiente e sabe como expor suas tramas e construir seus personagens de modo a interligá-los de maneira inteligente, além de ser um exímio construtor de diálogos - ninguém que é co-autor de "Roque Santeiro" e "Vale tudo" e autor principal de "Tieta" pode ser acusado de não saber escrever um bom texto teledramatúrgico. O problema é que, com o passar do tempo, os (muitos) defeitos da novela acabaram por chamar mais a atenção do que suas (poucas mas sólidas) qualidades. Então o show de Alexandre Nero no papel principal foi eclipsado pelo overacting insuportável de Paulo Betti como Theo Pereira - personagem que é uma espécie de alter-ego do autor mas cujo histrionismo afetado às raias do exagero não apenas lembra o tenebroso Crô de Marcelo Serrado em "Fina estampa" (02), do mesmo Aguinaldo, como também presta um desserviço inominável às conquistas da comunidade gay que a própria Globo havia conquistado com o beijo entre Mateus Solano e Thiago Fragoso em "Amor à vida". A subtrama chatíssima do pintor Salvador (Paulo Vilhena imitando Brad Pitt em "Os 12 macacos") diminiu o tempo em cena dos sensacionais Magnólia e Severo (Zezé Polessa e Tato Gabus). Os personagens gays de repente não mais o eram (a Xana de Ailton Graça esqueceu que era apaixonado por Elivaldo - interpretado pela revelação Rafael Losso - e o Leo de Klebber Toledo começou a engraçar-se por Amanda, mais uma atuação sofrível de Adriana Biroli) e o homofóbico Enrico (Joaquim Lopes só não sendo pior em cena do que seu comparsa em destruir o restaurante que um dia foi seu) tornou-se também mau-caráter - assim como outros quase figurantes que, de uma hora pra outra, foram para o lado negro da força sem explicações plausíveis.


Aliás, explicações plausíveis são artigo raro em "Império". A sensacional Drica Moraes saiu do elenco por motivos de saúde e, para surpresa geral, sua personagem não morreu: fez uma cirurgia plástica muito mal explicada e ressurgiu na pele de Marjorie Estiano - alguns espectadores acharam a ideia criativa, outros bem mais numerosos abandonaram a trama de vez depois desse absurdo. Maria Clara, a personagem de Andréia Horta, repentinamente se voltou contra o pai, se unindo aos irmãos na disputa cega pelo poder e perdendo a consistência da personagem - a única que mantinha uma relação de amor paternal na trama. O pintor Salvador iniciou um romance inesperado com Helena (Júlia Fajardo, filha de José Mayer na vida real) mais por necessidade do autor em inventar mais uma história do que por coerência interna. E nem é preciso apontar a entrada do péssimo Carmo Dalla Vecchia no elenco como outro ponto negativo: basta relembrar todos os outros personagens vividos pelo ator para perceber o limite de seu talento. Limite, inclusive, é o que parece ter a imaginação de Aguinaldo Silva, que mais uma vez utiliza seu protagonista como tema de samba-enredo de uma escola de samba fictícia - como fez em "Senhora do destino".

Os erros de "Império" são inúmeros e poderiam render posts e posts. Não é necessário reiterar que Paulo Betti (na pior atuação de sua carreira), Leticia Birkheuer, Romulo Neto, Nanda Costa, Adriana Biroli, Carmo Dalla Vechhia, Joaquim Lopes e Marina Ruy Barbosa estão sofríveis, já que basta assistir a um capítulo para notar tal fato. Mas seria injustiça falar da novela sem louvar aqueles que tentam dar dignidade a ela, com trabalhos acima da média. Além dos já citados Alexandre Nero, Zezé Polessa e Tato Gabus, é preciso reconhecer que Suzy Rego está excelente em sua discrição, Marjorie Estiano está fazendo o possível para segurar um papel de coerência nula, Leandra Leal está muito bem como a heroína Cristina - apesar de seu personagem ter-se esvaziado, também - e a ótima Dani Barros rouba a cena como a sem-noção Lorraine. São eles que ainda fazem com que valha a pena perder alguns minutos diante da tv. Até que os coadjuvantes - numerosos e mal interpretados - estraguem tudo novamente. Que venha "Babilônia", do mestre Gilberto Braga.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

MARIETA SEVERO - A DAMA DO TEATRO E SUAS AVENTURAS NA TV

Para toda uma nova geração, que desconhece sua vasta e brilhante experiência em teatro, que vai desde sua colaboração com o ex-marido Chico Buarque em "Roda viva" e "Ópera do malandro" até seu encontro com Andréa Beltrão na fundação do Teatro Poeira e na peça "As centenárias", de Newton Moreno e a premiada montagem de "Incêndios" - passando pelo casamento profissional com o dramaturgo Naum Alves de Souza em quatro peças nos anos 80 - Marieta Severo vai ser conhecida sempre como Dona Nenê, a matriarca que interpretou de 2001 a 2014 na segunda versão da série "A grande família". É uma pena, no entanto, que uma atriz de sua estatura, capaz de saltar do humor mais sofisticado ao drama mais devastador em poucos minutos, tenha que ficar marcada por um papel tão pouco desafiador. Hoje com 68 anos de idade, Marieta tem uma carreira extraordinária em todos os veículos possíveis - no cinema marcou presença nos clássicos setentistas "Chuvas de verão" e "Bye bye, Brasil", de Cacá Diegues, no drama familiar "Com licença, eu vou à luta", de Lui Faria e como Lucinha Araújo em "Cazuza, o tempo não para", de Walter Carvalho e Sandra Werneck - isso sem mencionar "Carlota Joaquina, princesa do Brazil", de Carla Camuratti, considerado o marco inicial da retomada do cinema nacional que vem se mantendo até hoje. E na televisão, fez parte de alguns dos grandes sucessos de audiência da Globo, intercalando humor e sensibilidade sempre com uma dose inegável de charme.

Sua estreia na Globo se deu quando ela ainda não tinha completado vinte anos. Em "O Sheik de Agadir" (66), da cubana Gloria Magadan, ela deu vida à Éden, uma princesa árabe que, apesar do aspecto frágil, se revelava, no final, uma assassina cruel que eliminava suas vítimas enforcadas - coisas absurdas que Magadan fazia constantemente. O exílio voluntário ao lado de Chico em 1969 - que a fez dar à luz à sua filha Sílvia (que também se tornaria atriz) na Itália - também a manteve afastada da TV por uma longa década. Seu retorno aconteceu na minissérie "Bandidos da falange", de Aguinaldo Silva e Doc Comparato, em 1983, mesmo ano em que viveu Dinah, uma das suspeitas de um crime do passado na novela "Champagne", de Cassiano Gabus Mendes - era divertidíssimo testemunhar seus embates com o filho Greg (Cássio Gabus Mendes), que voltava da Europa como punk nos primórdios do movimento no Brasil. Em 1984, exercitando sua veia cômica, ela interpretou Catarina, a filha mais velha do empresário interpretado por Walmor Chagas na novela "Vereda tropical", de Carlos Lombardi. Seu dueto com Maria Zilda - que vivia sua irmã Verônica - era impagável e, sob a direção de Guel Arraes (que viria a dirigí-la em episódios da série "A comédia da vida privada", nos anos 90) ela mostrou que sabia ser engraçada.


Em 1985, Marieta voltou a trabalhar com Cassiano Gabus Mendes na primeira versão de "Ti-ti-ti", novamente como a mãe do filho do autor. Ela era Suzana, a ex-mulher de Ariclenes (Luiz Gustavo), que vivia uma relação de carinho com o pai de seu filho Luti (no remake de 2000 o papel foi de Malu Mader, que nessa versão interpretava Valquíria, namorada do rapaz). Sua volta às telinhas se deu quatro anos mais tarde, mais uma vez com o genial texto de Cassiano. Em "Que rei sou eu?", ela mostrava seu lado político e ativista na pele de Madeleine de Bergeron, a pré-feminista que colocava fogo no reino de Avilan com seus escritos conclamando as mulheres a lutarem por seus direitos e que lutava contra a própria rainha Valentine (Tereza Rachel) para manter ao seu lado o marido (Daniel Filho), conselheiro da moeda do país em crise.

O horário das 19h manteve Marieta em 1992, mas dessa vez em um papel bastante diferente. Em "Deus nos acuda", de Sílvio de Abreu, ela deu vida à Elvira, a vilã da história, e mostrou que quando má ela era ainda melhor do que quando era heroína. Gilberto Braga - o autor que melhor sabe criar vilões na tv brasileira - aproveitou a deixa e deu a ela a pérfida Loreta Pellegrini em sua novela seguinte, "Pátria minha" (94), que infelizmente não se tornou o sucesso esperado. Mesmo assim, Marieta não deixou a peteca cair e roubava cada cena em que aparecia. Depois desse espetáculo particular, o público só foi reencontrar Marieta em seis anos, como Alma, a possessiva tia de Edu (Reynaldo Giannechini), na novela "Laços de família". Sua personagem, que era casada com o mulherengo Alexandre Borges, acabava surpreendendo a audiência no final da trama, quando adota os gêmeos que o marido tem com a empregada doméstica que morre no parto - cenas emocionantes que lhe proporcionaram um prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. Um dia após o final das gravações, Marieta já encarnava Dona Nenê e o resto é história...

Dispensada do papel que lhe fez companhia por mais de dez anos, Marieta Severo está sendo cogitada para integrar o elenco do próximo trabalho de Walcyr Carrasco (Deus nos defenda). A novela talvez não vá ser grande coisa - o currículo do autor não é empolgante - mas vê-la diariamente nas telinhas esbanjando talento será um enorme prazer.