sexta-feira, 10 de julho de 2015

"SETE VIDAS": UMA NOVELA PARA DEIXAR SAUDADES

Aqueles telespectadores que costumam reclamar que as novelas de hoje em dia perderam a capacidade de prender o público, que substituíram a emoção pela polêmica e que não dão atenção à qualidade do texto e dos personagens, preferindo sacrificar a coerência interna da história em favor da audiência, deveriam ter deixado o discurso pronto de lado e prestado atenção em "Sete vidas", a recém encerrada atração das 18h, escrita por Lícia Manzo e sua equipe de colaboradores: sem tentar inventar a roda, Manzo - autora também da igualmente humanista "A vida da gente" (11) - criou uma trama inteligente, forte e dotada de uma sensibilidade única, que a destacou como uma das mais interessantes produções globais dos últimos anos. Mais curta do que a média das novelas da emissora - acabou com 107 capítulos, o que a poupou da temida "barriga" e deixou a sensação de que vai deixar muita saudade - "Sete vidas" manteve os ingredientes clássicos do gênero (histórias de amor, relações familiares, traumas do passado), mas lançou sobre eles um novo viés, mais moderno e adequado à realidade. Retratando os diversos tipos de núcleos familiares - e revestindo todos eles com um olhar carinhoso mas nunca condescendente - Manzo contou uma história (ou várias histórias, dependendo do ponto de vista) sobre aquilo que todo mundo vive no cotidiano: o amor, a amizade e sobre, parafraseando Caetano, a dor e a delícia de se ser o que é.

Seguindo um estilo consagrado por Manoel Carlos - que há muito tempo perdeu a mão e não consegue repetir o sucesso de um filão que ele mesmo criou - Lícia Manzo não apela para tramas folhetinescas que envolvem vilões vingativos, disputas aborrecidas por presidências de empresas ou assassinatos misteriosos para garantir sua audiência. Sua matéria-prima são os sentimentos, as dubiedades de cada personagem, seus dramas pessoais, seu sofrimento em relação a problemas banais como pagar as contas, conquistar o amor da pessoa amada, lidar com o abandono, buscar a realização profissional e fazer as pazes com o passado, entre outras encruzilhadas capazes de despertar a identificação de quem quer que seja. Seu trabalho não se destaca por ganchos engenhosos ao final de cada capítulo, e sim pela delicadeza com que costura as teias que ligam seus personagens - todos, sem exceção, construídos com consistência e verossimilhança. Os desfechos que cria para seus dilemas não apelam para barracos constantes - quando existem, são do tamanho apropriado - e sim para conversas longas e bem fundamentadas (felizmente amparadas por um elenco que, aleluia, é formado por atores e não por modelos escalados a despeito de sua incapacidade dramática). Para alguns, pode soar chato e tedioso. Para outros - a imensa maioria que louvou a novela a cada capítulo via redes sociais e clama com urgência a escalação da autora para o horário nobre - foi um oásis de inteligência e poesia.

A trama simples e genialmente bem moldada por Manzo - um homem incapaz de criar raízes emocionais devido a um trauma familiar do passado se torna o responsável involuntário pela união de sete filhos que gerou com uma série de doações a um banco de sêmen, no passado - encontrou na direção minimalista de Jayme Monjardim a parceria ideal. Sem o peso do horário das nove sobre os ombros, Monjardim pode dar à novela um ar menos ambicioso, que combinou com perfeição a trilha sonora de qualidade, a abertura despretensiosa, a fotografia ensolarada (ou, em alguns casos, gélida como um iceberg) e a forma de lidar com as subtramas - todas com um grau de interesse forte o bastante para sustentar-se independentemente da história central. Durante os quatro meses em que esteve no ar, "Sete vidas" discutiu, entre outros assuntos, a homossexualidade (sem alarde e de maneira respeitosa com o público e com os personagens), anorexia, a exploração filial, casamentos em crise, alienação parental, adoção, amor na terceira idade e doação de órgãos, sem que transformasse essas discussões em tribunais inquisitórios didáticos e/ou enfadonhos. Era comum ao telespectador ver-se, por exemplo, diante de uma longa conversa sobre as dificuldades de um relacionamento que não chegasse a nenhum resultado prático ou um diálogo a respeito de um livro ou de um filme (que não, não eram autoajuda plantada na trama por jabá ou uma comédia infeliz produzida pela Globo Filmes, mas sim obras de autores como Ian McEwan e Fernando Pessoa e maravilhas como o iraniano "A separação" e os filmes de Chaplin). Assim era o texto da autora: realista, mas poético. Inteligente e nunca maniqueísta.

E tal texto, o sonho de qualquer ator, encontrou em seu elenco os atores dos sonhos de sua autora. Com raras exceções (Jayme Matarazzo ainda bem fraco e Fernando Alves Pinto incapaz de transmitir qualquer tipo de emoção), os personagens de "Sete vidas" encontraram intérpretes à altura do desafio de refletir na telinha as emoções reais de gente como a gente. Deborah Bloch - cada vez melhor atriz e linda - segurou firme o papel de protagonista feminina, dando à sua Lígia a força e determinação necessárias para lidar com a gangorra emocional de seu par, o verdadeiro centro da narrativa, Miguel (Domingos Montagner em papel ingrato mas de grande coerência psicológica). Isabelle Drummond mostrou mais uma vez que é uma aposta certa da Globo na nova geração, fazendo de sua Júlia uma heroína romântica sem o ranço passivo das produções do passado. Regina Duarte fez uma volta triunfal à televisão como Ester, uma mãe corajosa e compreensiva que, após a morte da esposa, volta ao Brasil e precisa lidar com as personalidades conflitantes dos filhos gêmeos, o reservado Luís (Thiago Rodrigues em seu melhor trabalho até agora) e Laila (Maria Eduarda Carvalho, um dos maiores destaques da novela). Além disso, foi bom ver a chance dada a atores novos e talentosos como Ghilherme Lobo - do filme "Hoje eu quero voltar sozinho" - como o rebelde Bernardo, Letícia Colin, convincente como a hesitante modelo Elisa - que viu sua trama sobre anorexia ser boicotada pela emissora - e o argentino Michel Noher, que repetiu em cena a relação pai/filho com o ator Jean-Pierre Noher. Dentre tantos destaques, eles se mostraram preparados para novos trabalhos - e é sempre um prazer ver Jesuíta Barbosa em cena, mesmo que apenas em flashbacks.

Alguns críticos reclamaram do excesso de voz feminina na trama, em detrimento do desenvolvimento dos personagens masculinos. Bobagem. A opção de Lícia Manzo em contar sua história sob o ponto de vista das mulheres - de classes sociais, graus de instrução e anseios diversos - é válida e inteligente: o público feminino ainda é o mais fiel ao gênero e o tom da narrativa, leve e delicado, é muito mais adequado a ele. Além do mais, é uma falácia acusar a autora de não dar importância aos homens da trama, uma vez que tudo tem origem nos traumas de Miguel - um personagem riquíssimo em seu comportamento errático - e que cinco de seus filhos são homens - todos com uma cota bem saudável de problemas, com a possível exceção do pequeno e encantador Joaquim, único fruto de uma relação estável. Talvez esses detratores estejam tão acostumados com personagens mal-escritos que não conseguem enxergar uma pérola nem diante dos olhos. Sorte daqueles que, como os órfãos de "Sete vidas", ainda tem essa percepção.